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A NORMALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NO AMBIENTE ESCOLAR: REFLEXÕES SOBRE O PODER INVISÍVEL NAS RELAÇÕES ENTRE ESTUDANTES

  • Foto do escritor: Jovens Líderes Pela Paz
    Jovens Líderes Pela Paz
  • 4 de jul.
  • 6 min de leitura

Resumo

A violência simbólica nas escolas é uma forma sutil, porém poderosa, de agressão que opera por meio de imposições culturais, exclusões simbólicas e desvalorização de identidades. Este artigo propõe uma análise crítica dessa modalidade de violência, refletindo sobre como ela se manifesta no cotidiano escolar, especialmente entre estudantes, e como a sua naturalização compromete o desenvolvimento social, emocional e educacional dos jovens. Por meio de revisão bibliográfica, o estudo se ancora em autores como Pierre Bourdieu e Paulo Freire, articulando teorias sobre dominação simbólica e pedagogia crítica. O objetivo é ampliar o debate sobre as formas de violência invisibilizadas na escola e sugerir caminhos para práticas pedagógicas mais inclusivas e conscientes.


Palavras-chave: violência simbólica; escola; juventude; poder simbólico; relações sociais.


A violência escolar é frequentemente discutida sob a ótica das agressões físicas e verbais mais evidentes. Essa visão restrita da violência escolar tem raízes na forma como o tema foi historicamente tratado pelas instituições educacionais, pela mídia e pelas políticas públicas. Desde que a violência passou a ser percebida como um problema nas escolas, a atenção se voltou quase exclusivamente para os casos mais visíveis, como brigas, agressões verbais, depredações ou confrontos diretos entre alunos. Isso ocorre porque essas formas de violência são mais fáceis de identificar, registrar e punir, além de gerarem maior repercussão social. No entanto, essa abordagem ignora que a violência na escola também pode se manifestar de maneira silenciosa e cotidiana, por meio de práticas simbólicas que marginalizam, desvalorizam ou silenciam certos estudantes.


Um exemplo recorrente está nas situações em que estudantes negros são constantemente alvos de “brincadeiras” racistas sobre seus cabelos ou suas origens, ou quando alunos da zona rural ou periferia são ridicularizados por seus sotaques e formas de se expressar. Em muitos contextos, meninas são descredibilizadas em espaços de liderança escolar, e estudantes LGBTQIA+ sofrem exclusão sistemática por não se adequarem às normas de gênero vigentes. Essas experiências, embora frequentemente tratadas como “naturais” ou “irrelevantes” pela escola, causam sofrimento real e comprometem o processo de aprendizagem e pertencimento. Pesquisadores como Miriam Abramovay e Bernard Charlot evidenciam que essas formas simbólicas de violência geram exclusões que não aparecem em boletins de ocorrência, mas que silenciam vozes e desmobilizam trajetórias.


Pierre Bourdieu define esse tipo de agressão como violência simbólica, um poder que se impõe de forma invisível, com a cumplicidade de quem o sofre, e que se legitima justamente por parecer natural. Ao não reconhecer essas práticas como violência, a escola contribui para sua normalização, permitindo que se perpetuem como se fossem parte inevitável da convivência entre estudantes.


O cotidiano escolar revela múltiplas formas de violência simbólica entre estudantes, muitas vezes normalizadas como "brincadeiras" ou expressões da "cultura juvenil". Entretanto, ao reforçarem estereótipos, preconceitos e desigualdades sociais, essas práticas contribuem para a marginalização de grupos e indivíduos. A ausência de uma abordagem crítica por parte da escola favorece a perpetuação desses comportamentos, criando um ambiente onde o respeito à diversidade é secundarizado.


Este artigo busca analisar a presença da violência simbólica nas relações entre estudantes no ambiente escolar, a partir de uma abordagem teórica fundamentada em Pierre Bourdieu e Paulo Freire. O objetivo é refletir sobre como essa forma de violência se estrutura, por que ela é naturalizada e quais caminhos podem ser traçados para enfrentá-la. A pesquisa parte da compreensão de que é impossível construir uma escola democrática e humanizadora sem enfrentar também as formas de dominação que se perpetuam de maneira simbólica.


Fundamentação teórica

Pierre Bourdieu, sociólogo francês, introduziu o conceito de violência simbólica para descrever formas de dominação que ocorrem sem o uso direto da força física. Trata-se de um poder invisível que atua sobre os indivíduos por meio da imposição de significados, valores e normas culturais dominantes, sendo muitas vezes aceito como natural até por aqueles que são oprimidos. Nas palavras de Bourdieu (1998), a violência simbólica “é exercida com a cumplicidade tácita dos que a sofrem”, pois se manifesta como se fosse legítima.


No contexto escolar, essa forma de violência se materializa na imposição de um modelo cultural dominante, seja ele relacionado à linguagem, aparência, comportamento ou identidade. Isso pode ser percebido, por exemplo, quando estudantes que utilizam gírias ou expressões populares são corrigidos ou ridicularizados por não falarem “certo”, como se apenas a norma culta fosse legítima. Ou ainda quando alunos de pele mais escura, com cabelo crespo ou tranças, são alvos de piadas ou olhares de reprovação, enquanto padrões brancos e eurocêntricos de beleza são elogiados e valorizados.


Um caso emblemático é o de Alicia Nascimento, uma adolescente negra de 17 anos, residente do município de Aracaju, que relatou como comentários aparentemente “sutis” sobre seu cabelo a fazem sentir-se inadequada. Segundo ela, professores e colegas constantemente sugerem que ela “ficaria melhor” com outros estilos, e quando usa lace wig lisa (peruca de tela), escuta frases como “ficou muito melhor assim” ou “vem só com esse cabelo, não vem mais com o outro”. Esses comentários, ainda que não explicitamente ofensivos, carregam uma mensagem simbólica de desvalorização de sua identidade e reforçam um padrão estético branco como o ideal. Em muitos casos, estudantes que seguem religiões de matriz africana ou que se vestem de maneira diferente também são tratados com estranhamento ou exclusão.


A instituição escolar, ainda que seja um espaço de formação e emancipação, pode também funcionar como reprodutora das estruturas sociais desiguais. Paulo Freire (1996), em sua crítica à educação bancária, denuncia a forma como o modelo tradicional de ensino desconsidera a realidade dos estudantes. Nesse modelo, o conhecimento é tratado como algo neutro e pronto, a ser “depositado” nos alunos, ignorando seus contextos culturais, suas vivências e seus saberes.


Análise e discussão

A violência simbólica entre estudantes não se manifesta por meio da força física, mas por práticas cotidianas que humilham, inferiorizam ou silenciam colegas com base em critérios sociais, raciais, de gênero, religiosos ou territoriais. Piadas que reforçam estereótipos, apelidos pejorativos, exclusão de atividades, julgamentos estéticos e a desvalorização de sotaques ou expressões regionais são algumas das formas mais recorrentes.


Contudo, quantos estudantes realmente entendem que essas "brincadeiras" podem ser uma forma grave de violência? Diversos estudos indicam que a maioria dos jovens tende a naturalizar essas situações. Uma pesquisa do Instituto Avon (2019) apontou que 56% das adolescentes brasileiras acreditam que o bullying é algo normal e esperado no ambiente escolar, o que demonstra a grande naturalização desse tipo de violência simbólica.


Essa naturalização é preocupante porque reforça a carga simbólica dessas práticas: elas não são apenas episódios isolados de diversão, mas mecanismos poderosos de manutenção e reprodução de desigualdades sociais. O impacto dessas práticas no ambiente escolar é profundo. Estudantes que são vítimas de violência simbólica frequentemente apresentam queda no rendimento acadêmico, maior absenteísmo, além de problemas emocionais como ansiedade, baixa autoestima e isolamento social.

O papel da escola

A escola, como espaço de socialização e formação cidadã, deveria ser um agente de transformação social. No entanto, muitas vezes ela falha ao não reconhecer nem intervir nas dinâmicas simbólicas de violência. O currículo oculto, conjunto de valores e práticas não oficiais transmitidos no cotidiano escolar, contribui para a normalização dessas violências. Educadores despreparados para lidar com a diversidade cultural dos alunos podem, ainda que de forma involuntária, reforçar práticas simbólicas excludentes.


Outro exemplo de exclusão simbólica é a ausência de representatividade étnico-racial nos materiais didáticos. Em muitos casos, livros e apostilas privilegiam a história e cultura da população branca, silenciando ou marginalizando as contribuições de negros, indígenas e outras minorias. Pesquisa do IBGE (2020) apontou que 65% dos estudantes negros relataram que a escola não abordava adequadamente a história e cultura afro-brasileira.


Apesar do cenário adverso, os estudantes não são apenas vítimas da violência simbólica; muitos também se organizam para resistir a ela. Grêmios estudantis, coletivos juvenis, ações culturais e projetos de protagonismo juvenil têm revelado a capacidade crítica dos jovens e sua potência para transformar o ambiente escolar.

Considerações finais

A violência simbólica no ambiente escolar representa um desafio complexo e urgente. Quando naturalizada, ela compromete não apenas a convivência entre estudantes, mas também a missão educativa da escola. É fundamental que a escola reconheça essa forma de violência e invista em práticas pedagógicas que valorizem a diversidade, promovam o respeito e criem espaços de diálogo e escuta. Mais do que combater sintomas, é preciso transformar a cultura escolar para que ela se torne, de fato, um espaço de emancipação e justiça social.


Referências

ABRAMOVAY, Miriam. Violência nas escolas. Brasília: UNESCO, 2005.


BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.


BOURDIEU, Pierre. A violência simbólica. São Paulo: Difel, 1999.


BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes para o combate ao bullying nas escolas brasileiras. Brasília, 2019.


CANDAU, Vera Maria. Diversidade cultural e educação: interfaces com a prática pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2012.


CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS. Pesquisa sobre discriminação linguística no ambiente escolar no Nordeste. São Paulo, 2017.


INSTITUTO AVON; DATAFOLHA. O que as meninas querem? Pesquisa sobre bullying e violência simbólica entre adolescentes brasileiras. São Paulo, 2019.


INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa sobre representatividade étnico-racial em escolas brasileiras. Rio de Janeiro, 2020.


INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA USP. Impactos do bullying simbólico na saúde mental dos estudantes. São Paulo, 2018.


OLIVEIRA, Luciana; PRADO, Claudia. Violência simbólica e suas manifestações na escola: um estudo sobre bullying e preconceito. Revista Brasileira de Educação, v. 22, p. 1–15, 2017.


PEREIRA, Cristiane. Padrões culturais e exclusão social na escola. Cadernos de Educação, v. 15, n. 2, p. 45–60, 2020.


SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.


UNICEF Brasil. Violência escolar e seus impactos na aprendizagem. São Paulo, 2019.

 
 
 

3 comentários


Eduardo Vasconcelos
Eduardo Vasconcelos
05 de jul.

Incrível demais!!!

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luas7346
05 de jul.

Simon vc arrasou dms!


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Clara Joyce
Clara Joyce
04 de jul.

Parabéns demais, Simon! Amei!

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